Tonta garoa!

               No lado de fora da janela uma garoa fina, de "espantar bobo",  caía e encharcava os galhos dos ciprestes que ornamentavam a calçada de entrada daquele velho prédio acinzentado de paredes marcadas pela umidade onde vivia desde os nove anos no apartamento número 803 com sua mãe, uma secretária de qualquer lugar, que passava os dias ao telefone, e sua irmã menor, pré-adolescente irritadiça que começava a dar os primeiros passos no campo das relações amorosas.
               Sentada no parapeito da sacada, fumando o ultimo cigarro do masso que havia comprado ontem, ela pensava no último incidente amoroso que lhe ocorrera, do qual havia restado um semestre perdido da faculdade de Farmácia, alguns meses de terapia, alguns muitos amigos a menos, e os sentimentos reprimidos de impotência e desespero que escondia atrás de seu orgulho.
               Cansada de chorar por coisas e pessoas que sabia que não voltariam enchera a memória de 2Gb do seu iPod Nano segunda geração das músicas mais alegres que encontrara e decidira dar uma volta no parque da cidade para aliviar as ideias, ver famílias passeando felizes e talvez até encontrar algum rapaz bonito daqueles que dão caminhadas todas as tardes, sem camiseta e de companhia de seu cães para atrair garotas. Quem sabe até bancasse a tonta, ingênua e fizesse de conta que não tem noção de nada, afinal seria só para aliviar a barra e dar uma enganada no sentimento de carência que andava rondando seu coração.
               Saiu, trancou a porta, pegou o elevador e desceu até o térreo do prédio, deu uma olá ao porteiro, que vestia como sempre aquele uniforme de calça social azul marinho acompanhado de camisa azul pouco mais clara, e se encaminhou até a padaria que ficava na esquina de baixo. Ponto mais familiar e caminho mais curto e certo até o parque. Já tendo na cabeça que após a padaria seriam apenas uma quadra à direita e mais duas à esquerda. Não havia erro.
               Ela sentara em um daqueles bancos rústicos de madeira, que foram colocados alinhados aos diversos caminhos em paralelepípedo que parecem ir e vir de todos os lugares do parque, ouvindo suas músicas alegres e esperando que alguém passasse, a olhasse e talvez até sorrisse. Realmente seria algo muito bom na situação em que se encontrava, pensou ela já imaginando um largo sorriso em conjunto com luminosos olhos que a fitavam.
               Entretanto ninguém apareceu. O parque estava vazio, silencioso. Num devaneio chegou a pensar que sua tristeza havia espantado até os pássaros que costumam expor seus mais diversos pios meio a vegetação, pois nem mesmo eles estavam lá naquela tarde úmida e abafada. Tentara não pensar nisso, apenas fechara os olhos e pusera-se a ouvir as alegres melodias. Mas nem estas faziam mais sentido algum.
               Com os olhos já encharcados e os piores pensamentos mais uma vez presentes em sua cabeça ela levantou-se bruscamente, arrancou os fones dos ouvidos, e pôs-se a caminhar em passos frenéticos de volta ao prédio acinzentado, quatro quadras de distância dali. Andou as duas quadras a frente e virou à direita já avistando a padaria da esquina no mesmo caminho da ida, onde em seguida entrou, para comprar mais um masso dos mesmos cigarros de sempre.
               Já de posse dos cigarros, encaminhou-se para casa, entrou portão a dentro e atravessou velozmente a portaria em direção aos elevadores sem nem olhar para o porteiro a fim de não expor seu rosto inchado e seus olhos vermelhos ainda chorosos. Pegou o elevador e subiu até o oitavo andar. Entrou em seu apartamento e voltou ao status inicial da narrativa.
               Sentada no parapeito da sacada de seu quarto, ela fumava um dos cigarros do novo masso e admirava a tonta garoa que caía.
               Ao fim do cigarro e da esperança só lhe restara o mesmo caminho das pequenas gotas de água que caíam deixando efêmeros rastros nas poças das calçadas. Tão atordoada, presa em seu próprio mundo, que nem chegara a pensar que não é de costume das famílias, dos pássaros, e  nem mesmo dos rapazes bonitos sem camisetas e acompanhados de cães irem ao parque com um tempo daqueles.

Comentários

  1. q lindo isso...
    Vinicius estou com muitas saudades de vc,
    e eu gosto disso eu nao sei pq mais eu gosto de sentir sua falta de querer vc mesmo sem saber q nao vou poder, bom vc sabe onde me encontrar,
    eu estou na Europa vou passar 2 meses aaqui...
    acho q vc anda lembra de mim rsrssrs se quiser manter contato... Te amo e me desculpa por ser fraco =[

    ResponderExcluir
  2. Olha isso aqui...

    http://www.youtube.com/watch?v=NAI6aTDGHlk&NR=1

    abraços.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

☽-♇-♏

papel